quarta-feira, 19 de maio de 2010

Finalmente a partida

Naquele mesmo domingo, após acordar numa terrível ressaca, como disse fui para casa correndo e pedir uma carona para ir até a rodoviária comprar minha passagem, mesmo que visivelmente contra sua vontade, meu pai me levou sob o pretexto de levar meu irmão junto para passear, e fomos. Lá aproveitei para recolher informações sobre estacionamento, taxi, tempo de tolerância a atrasos e o telefone da menina que atendia no guichê, pois ela era muito bem apessoada.
Em casa almoçamos em silêncio e depois dele mais uma vez tive que ouvir todas as recomendações de minha mãe em relação à viagem. Mais tarde, ainda sob os protestos e provocações de meu pai, minha irmã e meu cunhado me levaram para a rodoviária e então minha jornada começaria de fato. E obviamente quase todos os passageiros daquele ônibus teriam o mesmo destino que eu, todos jovens alguns vestidos como hippies com cabelo estilo dreads, como o do legendário Bob Marley. Nem precisava dizer que me atrapalhei com o relógio que me forçou a aceitar a ajuda de minha mãe para arrumar as malas, e também nem precisaria dizer que ela colocou quase a casa inteira, e eu estava com sobre peso, mal consegui carregar tudo sozinho, inclusive foi preciso pagar uma taxa extra para o motorista. Foi aquela despedida típica de rodoviária e portos, das pessoas acenando adeus para os viajantes, que sentiam um misto de comoção e vergonha, mas ali tudo valia, todos estavam visivelmente emocionados naquele momento.
Não demorou muito, para que a conversa no ônibus começasse, e o povo a se conhecer, percebi que minha aposta estava certa, a maioria eram estudantes que iam para Viçosa se matricular. Coincidentemente a Brisa (lembra-se? Aquela que chutou minha garrafa d’agua na prova) também estava no ônibus, e mais coincidentemente ainda mo decorrer das conversas descobri que ela seria da mesma turma que eu. E a conversa durou pouco, pois a moça que estava sentada ao meu lado começava a puxar conversa e no balanço do ônibus, o cansaço, e o escuro, fez com que a conversa fosse parando gradativamente até ficar relativamente quieto. E então a moça que sentava do meu lado, voltou a puxar conversa, infelizmente não me lembro do nome dela, mas não dando muita bola, pois queria dormir, estava com bastante sono do dia anterior, em poucos minutos ela me contaria tudo dela. Mas não importava o que ela falasse eu só entendia “blá blá blá”, e eu respondia sempre com um “uhum”.
E quando menos espero a moça me agarrou ali mesmo, não me deixando chance de defesa, pelo menos depois de alguns minutos de beijos mal beijados, ela se aconchegou no meu ombro e adormeceu, e assim permaneceu até a primeira parada.
Na primeira parada, desci, fingi uma azia e comprei um salgadinho de queijo bem fedido para usar como se fosse repelente, e funcionou. O resto da viagem foi muito tranquilo, dormi feito criança, apesar de quase não aguentar meu cheiro de queijo parmesão.
Na postagem anterior eu havia citado na parte final que os amigos que eu tinha entrado em contato não haviam sequer respondido as mensagens, e sabendo disso descendo do ônibus tive uma agradável surpresa, o Tuwile, apesar de não ter combinado e não ter entrado em contato comigo, estava lá me aguardando.
Fiquei muito feliz, surpreso e aliviado, afinal era tudo o que eu precisava no momento, um rosto amigo.
Após os comprimentos ele prendeu sua bicicleta no poste da rodoviária e me ajudou com as malas até a universidade para eu fazer minha matrícula, o ônibus que tinha se atrasado um pouco por causa de uma obra que acontecia na estrada, ocasionou um belo atraso, mas ainda assim nada que impedisse minha matrícula. Fomos a pé e chegamos lá em poucos minutos.
Conversando no caminho, ele me falava da universidade, e quando chegamos nela, fiquei admirado com as proporções do campus e de como era. Sentia-me como se estivesse naqueles filmes norte-americanos nas universidades de lá. Como me surpreendeu, jamais imaginaria que houvesse algo semelhante no Brasil, como isso não era divulgado? E o Tuwile animadamente me apontava os prédios e quais eram os departamentos, e o que faziam em cada um deles.
Deixamos minhas malas na sala do diretório acadêmico da qual ele faz parte, e me dirigi ao lugar onde se realizavam a matrícula, e meio abobalhado fiquei assistindo uma mensagem gravada do reitor falando da universidade, passou no mínimo umas trinta vezes, assisti todas, não me cansava. Ainda estava assombrado.
Pronto, matrícula feita era o momento de resolver como faria com a bolsa, que eu tanto necessitara. Descendo um hall no prédio que acontecia a matrícula, dava acesso a um galpão enorme que continha alguns stands montados com as atrações da universidade e alguns bancos e comerciantes tentando caçar algum calouro ingênuo. No campus tem tudo, não havia necessidade do aluno contratar qualquer tipo de serviço. Um desses stands era o serviço de bolsa, e fui lá ver o que eu precisava fazer para conseguir o que eu precisava. Entregaram-me um formulário de mais ou menos umas quinze páginas, na hora que olhei aquilo, achei que não era possível um questionário socioeconômico daquele tamanho, no mínimo perguntariam as cores das minhas roupas íntimas, só podia. Mas na realidade só faltou isso, tinha que responder sobre tudo na minha vida e quem vivia comigo, tudo, o que fazia deixava de fazer, o que possuía em bens e o que deixava de possuir, e não obstante no final ainda uma redação em aberto para descrever o porquê merecia a bolsa.
Fui almoçar com o Tuwile, pensando naquilo que eu preencheria, outra coisa que me surpreendeu foi o preço do almoço que custava pelo menos três vezes menos do que custaria em São Paulo. Depois do almoço, me apresentou o clube do diretório dos estudantes, o famoso DCE BAR, que de bar não tinha nada, pois bebida alcoólica teoricamente é proibida no campus, mas tinha algumas mesas de sinuca, e os estudantes se reuniam naquele lugar.
Depois do almoço fui entregar o formulário, pretendendo no mesmo dia já usufruir do alojamento que era prometido. Naquele momento começou minha via sacra da bolsa. Fui informado que não era cedido de imediato, nem mesmo o alojamento provisório seria cedido. E dessa forma então eu estava ferrado, como faria? Fui procurar o responsável, e este só sabia dizer “Eu não posso te ajudar” eu argumentava e ele respondia “Mas eu não posso” e ele ficou visivelmente alterado emocionalmente quando perguntei se ele só sabia dizer a mesma coisa, ficou nervoso, bateu na mesa e falou alto som: “Sinto muito, eu não posso!!!”.
Também fiquei muito nervoso e resolvi sair dali, imprimir o e-mail e esfregar na cara daquele homem, que além de dizer somente uma coisa duvidava de minha palavra quando citei sobre o e-mail que tinha mandado antes de ir para lá.
Nesse meio tempo, o Tuwile que não se aguentava de risadas do homem de apenas uma palavra, me levou para um amigo dele que trabalhava no serviço de bolsa, mas que atendia outras coisas, para ver se ele conseguia me dar alguma dica de alguém ou sobre o que fazer.
O conheci, e o rapaz não me deu boas notícias, disse que era assim mesmo, que também era morador de alojamento e que demorava mesmo, e que por enquanto eu deveria me virar, mas ainda assim não deixar de reclamar, segundo ele os segredos eram “persistência e lágrimas”, e que eu deveria falar com outra pessoa, uma tal de Júnia. Fui procurar essa tal mulher no departamento dela, e ela me convenceu do mesmo, não seria uma tarefa fácil.
O que eu faria, nem debaixo de algum viaduto eu poderia ficar, porque a cidade não tem nenhum. Mas o Tuwile salvou o dia mais uma vez, me propôs que eu ficasse na república dele até as coisas darem certo, pois um membro da casa estava viajando a férias, e poderia ficar no quarto dele até eu conseguir acertar as coisas. A casa dele fica do outro lado da cidade, mesmo assim não tão distante, mas se tornou, pois a cada dez passos encontrávamos algum de seus conhecidos para colocar a conversa em dia.
Quando chegamos, eu estava exausto, e ainda em São Paulo, o Porko havia comentado que a república do Tuwile era uma república africana, e naquele momento descobri que se tratava da “A república africana” composta de africanos legítimos e não descendentes como eu pensava, conheci a todos e fui muito bem recebido, o pessoal me tratou com muita fineza. Mas eu só queria saber de um bom banho e um bom cochilo.
Mas naquele dia também chegaria a casa como hóspede outro conhecido do Tuwile, amigo de uma amiga dele que ele nem conhecia direito para fazer matrícula no dia seguinte, mas este nem ficaria muito tempo, uns dois ou três dias, no máximo. Chamava-se de Moita e chegaria ao final da tarde. E a qualquer momento chegaria também outra amiga e sua mãe para a mesma finalidade, se matricular, procurar república.
Tuwile planejou bastante de como acomodaria a todos sem ter que recorrer a sua namorada para hospedar ninguém, no final a amiga e sua mãe acabou não vindo, o que acabou facilitando as coisas um pouco.
A chegada do Moita, não poderia ser menos notável, o rapaz possuía um sotaque bastante estranho tipicamente mineiro (se bem que se formos parar pra pensar eu era o viajante, logo quem tinha sotaque era eu), com o cabelo armado o suficiente para fazer jus ao seu apelido, alto e magro, chegou na casa com o mesmo desejo que eu, tomar um banho para espantar o cansaço. O fez e para que depois fossemos num barzinho tomar uma cervejinha, para conhecer a nigth viçosence (haha), mas assim que ele saiu, deu por falta de sua carteira, e no meio de malas procurava, procurou nas minhas pelo chão e no caminho, não se conformava, e acreditava ter perdido ou ter sido roubado, lamentava bastante, até que resolveu ligar pra sua casa e fazendo isso recebeu uma bronca e ouviu um sermão de sua mãe por ter viajado sem carteira. “Como pode menino!?” Sua mãe previsivelmente dizia por telefone e ele tentava se explicar.
Logo após fomos conhecer a noite viçosense, e para uma segunda-feira até que gostei da movimentação da cidade, mas o que eu não sabia que praticamente todos os dias eram daquele jeito.
Mas isso vai ter que ficar pra depois.
Chega por hoje né amigos, depois continuamos, tem muito mais.

Um comentário:

  1. E os créditos do revisor ????

    uashuhasuashuhas

    Fenomenal tom, nunca pensei que iria rir varias vezes de uma mesma história, ri revisando, ri lendo, ri relendo e se pegar pra reler rirei outra vez !

    Um dia você dara para um bom cronista (tche tche tche!)

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